sexta-feira, 28 de março de 2008

Polifemo (não é nome de detergente)

Habituei-me a esta coisa de ler comentários e e-mails e isto anda a dar-me cabo do sono. O meu dia é longo, como imaginam. Chega a ter séculos, centenas de anos a limpar, esfregar, arear, lavar e secar. É por isso que dou por mim a guardar as noites para este cantinho e para os meus queridos.

Voltei, por estas décadas, a receber uma questão com alguma pertinência. Ora aqui está ela:
"Dona Iris, podia-me fazer um favor? Pergunte ao Deus do Mar, Poseidon, porque é que guardou tanto rancor para com Ulisses. Mas de mansinho, se não é capaz de experimentar na pele a sua fúria! Ulisses era bom rapaz..."
Fosse o meu nome Brízida Vaz, alcoviteira da criação de Gil Vicente, e muitas explicações podia eu inventar para essa, chamemos-lhe assim, ligeira antipatia. O que sei, porém, é o que tenho lido em revistas dadas ao mexerico e numa ou noutra conversa com a dona Ogígia, que é quem me arranja o cabelo e as mãos.

Odisseu (Ulisses é o nome que lhe inventaram os romanos, que são do contra), diz-se por aqui, depois de passar bons momentos em Tróia (não a que se avista de Setúbal, atenção), de onde saiu como herói e onde ajudou a montar aquela estratégia do cavalo, parou numa ilhota no regresso a casa. Homero, cronista dessa viagem, jura a pés juntos que se tratava da ilha dos ciclopes, moços de dimensão considerável com um único olho. No meio da testa, coitadinhos.

Parece que um desses ciclopes era Polifemo. E que Polifemo era filho de Poseidon, de que fala a questão que citei. Odisseu e o resto da rapaziada famélica, uma vez na ilha, irrompem pela caverna de Polifemo, que era dado a uma vida pacata. O ciclope, quando chegou a casa, fechou a dita com os marinheiros dentro e tratou de saber que bagunça era aquela. Logo ele, habituado a estar sozinho e a ter as coisinhas à sua maneira (como o compreendo).

Mas Polifemo, dizem as revistas mais chegadas à polémica, também não era santo. E começou, com naturalidade, a comer os embarcadiços. Dois a dois. Como imaginam os meus amores, aquilo não caiu bem a Odisseu, que tratou de embebedar o gigante de um só olho com vinho, coisa que não faltava num barco. Quando Polifemo caiu a dormir com a borracheira, os que sobravam fora do seu estômago cegaram-no com uma vara.

Ora isto não deixa um pai muito satisfeito, e foi por isso que Poseidon, pai do ciclope cego, atormentou com veemência o resto da viagem de Odisseu com marés e tempestades. Isto, meus queridos, é o que se diz, porque eu não estive lá. Como facilmente imaginam, ninguém convida uma mulher-a-dias para conquistar Tróia. O que, por acaso, é uma discriminação que me deixa um nadinha entristecida. Cala-te boca, que os mares têm ouvidos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Dona Íris,

como não podia deixar de ser, sou uma daquelas pessoas sépticas que viu o nome do seu blog na televisão e resolveu experimentar quando não tinha mais nada que fazer. Ainda bem que o fiz, pois não passa um santo dia (talvez no Olimpo um "muso" dia) sem que venha ao seu blog. No entanto, gostaria de saber se as dicas de limpeza que aqui dá são verídicas, pois algumas me viriam a dar um jeitasso!

Sou, também, uma grande apreciadora de mitologia, pelo que gostaria de lhe perguntar (que para mim não ficou muito claro) se os senhores deuses aí do Olimpo sabem do plágio que sofrem por parte dos romanos. Se sabem, já os processaram ou alguma coisa do género? E não ficam indignados de se ter usado os nomes romanos para coisas importantes como baptizar planetas?

Obrigada pela dedicação que tem ao seu blog e aos seus queridos (pois já me considero um deles).